Luanda - Alguns participantes do
Segundo Congresso Angolano do Direito Constitucional, realizado recentemente,
voltaram a abordar a questão genérica do sistema de eleição dos deputados à
Assembleia Nacional.
Desde os anos que antecederam os
debates que levaram à aprovação da Constituição de 2010, temos vindo a defender
(sem sermos ouvidos) a necessidade de alteração do modo de eleição dos 90
deputados (5 por cada uma das 18 províncias) do Círculo Provincial na
Assembleia Nacional.
Se depender dos partidos políticos,
nenhuma alteração será feita, já que a situação prevalecente é favorável aos
jogos políticos e à distribuição de favores que dominam a cena política do
país. O principal argumento para a mudança é o facto de a nossa sociedade
necessitar de soluções jurídico-constitucionais que reduzam o excesso de
política partidária na vida administrativa e institucional do país. O longo
passado de conflitos empurra-nos a todos para espaços de grande polarização
político-partidária e de conflito, razão pela qual defendemos que se deve
aumentar a oportunidade para os cidadãos que não tenham filiação partidária,
assim como os cargos que não dependam de filiação partidária. Ora, a
apropriação e o controlo dos círculos eleitorais fazem parte da estratégia dos
partidos políticos para a conquista de mais assentos parlamentares e, nessa
medida, não se espera que os partidos políticos operem mudanças significativas,
a menos que a isso sejam pressionados.
Mesmo que a reflexão ocorrida em
sede da academia não produza resultados imediatos, temos a esperança de que ela
inicie um caminho que leve a sociedade em geral a interessar-se mais pelo tema
da despartidarização do sistema eleitoral e das instituições do país, em cujas
vagas se deve premiar mais o mérito e a independência de pensamento do que a
filiação partidária ou a proporcionalidade com a composição do Parlamento.
Estamos de acordo que se mantenha
o princípio da transformação de todas as províncias em círculos eleitorais. Se
tomarmos como certo o aumento do número de províncias para 20, a Constituição
terá necessariamente de ser alterada.
Será então uma boa ocasião para
que a sociedade volte a exigir a alteração do número pré-definido de cinco
deputados por cada província ou a alteração completa do modo de eleição dos
deputados do Círculo Provincial, como temos vindo a propor.
O primeiro tema a debater é a
injustiça que decorre do facto de todas as províncias, independentemente da sua
densidade populacional, terem o mesmo número de deputados. Parece-nos
absolutamente justo que o número de deputados por província seja encontrado em
função do número de votos, sendo por isso mais justo que as províncias com mais
população tenham igualmente mais deputados. Embora se compreendam as reservas
que levaram a que se optasse pela decisão de repartição igualitária do número
de deputados por província, esse factor representa hoje um elemento desajustado
com a realidade, favorecendo claramente as regiões menos populosas do país. O
ideal é que se defina o número de votos necessários para eleger um dos 90
deputados, cabendo depois ao número de votos determinar a quantidade de assentos
por região. Com base nos dados das últimas eleições, seriam necessários cerca
de 160 mil votos para eleger cada deputado do Círculo Provincial, o que quer
dizer que alguns círculos provinciais correriam o risco de não ter votos
bastantes para eleger um deputado. O mais provável é que conhecêssemos um
processo de migração de eleitores para que nenhuma província perdesse a sua
representação parlamentar.
Outra alteração a fazer é a
diferenciação entre o modo de eleição dos dois círculos, ou seja, os 130 deputados
do Círculo Nacional continuaria a ser na base de listas plurinominais
organizadas por partidos políticos, enquanto que os deputados do Círculo
Provincial passariam a ser escolhidos em listas uninominais.
As listas uninominais são
candidaturas individuais, podendo ter ou não apoio partidário e sobretudo
estabelecendo uma relação directa com o eleitor. Cada eleitor ganha o poder de
escolher o seu representante local. Com a nossa história de conflitualidade
político-partidária e com fraquíssimos níveis de participação da sociedade, a
possibilidade de candidaturas extrapartidárias iria estimular grandemente o
aparecimento de figuras não partidárias, independentes ou mesmo partidárias não
vinculadas à disciplina interna (que é claramente um dos instrumentos bloqueadores
da autonomia parlamentar).
As listas uninominais encorajam o
respeito pela opinião dos cidadãos e envolvem directamente o cidadão na gestão
política. Uma eleição individual dos deputados iria permitir, por um lado, a
Assembleia Nacional libertar-se das amarras político-partidárias determinadas
pelas listas plurinominais e, por outro, conferir muito mais poder aos
cidadãos, que assim poderão exercer em seu benefício uma pressão directa sobre
os seus deputados para que estes exerçam a sua função fiscalizadora do Governo.
Ainda esta semana, durante o
debate sobre o Orçamento Geral do Estado (OGE), assistimos vários deputados do
Círculo Provincial mais preocupados em defender as suas cores partidárias do
que em assegurar que as políticas do Governo sejam implementadas e uma
avaliação realista e orientada para a satisfação das necessidades dos cidadãos.
A eleição individual de deputados estabelece o papel de intermediação, o que
faz com que os cidadãos tenham a quem recorrer nominalmente em caso de
injustiça, incumprimento das autoridades administrativas ou deficiente prestação
de serviços públicos.
Trata-se, na verdade, de um amplo
processo de reformas políticas que nos devem levar a um processo de prevenção
de conflitos e de partilha de oportunidades e de poder entre partidos políticos
e a sociedade em geral. É mais do que desejável um aumento do espaço político
para os cidadãos sem filiação partidária. O excesso de partidarização da vida
política, sobretudo das instituições do país, tem uma relação directa com o
facto da militância ou o alinhamento partidário se ter transformado numa
condição-chave para participação política do cidadão. Alguém que não se sujeite
à disciplina partidária nem às relações clientelares partidárias, dificilmente
consegue exercer cabalmente a sua cidadania. A CRA pode ser um elemento
fundamental da “despartidarização das mentes”. JA