Quem será o próximo? Militares expulsam líderes africanos com cargos vitalícios

 




O mais recente golpe de Estado em África teve lugar quarta-feira, 30 de Agosto, no Gabão, cerca de um mês depois do que aconteceu no Níger, em 26 de Julho, quando um grupo de militares derrubaram o Presidente Mohamed Bazoum. Assim, desde Agosto de 2020, ou seja, em três anos, o continente africano foi marcado por oito golpes de Estado.

A generalidade dos golpes de Estado em África têm sido protagonizados por militares que, desde 2020, já tomaram o poder em seis países do continente.

Antes do Gabão e do Níger, Mali, Guiné, Burkina Faso, Sudão e Níger foram sacudidos por golpes que derrubaram os respectivos chefes de Estado e seus governos.

Desta feita, na madrugada de quarta-feira, 30 de Agosto, o país acordou surpreendido por um anúncio, ao vivo na televisão pública gabonesa, transmitido por militares, que davam a conhecer a “queda” do Presidente Ali Bongo Ondimba.

Acontecia assim o segundo golpe de Estado no espaço de um mês neste ano, sendo que desde 2020 o continente já contabiliza oito.

De acordo com competentes análises que têm sido feitas sobre toda esta situação, aponta-se que o golpe de Estado no Níger, considerado como o “último bastião ocidental” da África subsaariana, terá sido influenciado pelos russos.

Igualmente, alega-se que os demais golpes registados no Mali, Guiné, Burkina Faso, Sudão e a tentativa falhada na Guiné-Bissau, todos países localizados na região do Sahel, entre o deserto do Saara, ao norte, e a savana do Sudão, ao sul, que sofre desde 2011 com a violência de grupos jihadistas como o Estado Islâmico e a al-Qaeda, tem a “mão russa” e confirma o aumento da influência russa em ex-colónias francesas.

Gabão e a decadência de Ali Bongo

O Presidente do Gabão, Ali Bongo Ondimba, foi derrubado na quarta-feira (30) por militares que anunciaram o general Brice Oligui Nguema, chefe da guarda presidencial, como novo chefe de Estado.

Os golpistas acusam Ali Bongo Ondimba de alta traição contra instituições do Estado, desvio de fundos, corrupção activa e até tráfico de drogas, horas após o Centro Eleitoral do Gabão ter divulgado os resultados oficiais das eleições presidenciais, que lhe davam a vitória com 64,27% dos votos, contra 30,77% do principal rival, Albert Ondo Ossa.

O pleito foi altamente questionado pela oposição, que alega fraude. A família Bongo governa o país desde 1967: primeiro foi Omar Bongo, que se manteve na Presidência por 42 anos, até sua morte, em 2009.

Ali Bongo Omdimba, com 64 anos, substituiu seu pai e assumiu o poder. Antes, foi ministro da Defesa, de 1999 a 2009.

Estava na forja a transição do poder para um seu filho, atendendo que não goza de boa saúde.

Níger e a pressão regional

Acção semelhante aconteceu em 26 de Julho, quando os militares da guarda presidencial anunciaram, também na televisão nacional, que haviam desmantelado o Presidente democraticamente eleito, Mohamed Bazoum, no poder desde 2021.

Os militares justificaram a iniciativa com "a contínua deterioração da situação de segurança" no Níger. Em resposta, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), a 10 de Agosto, anunciou a intenção de enviar uma força regional para "restabelecer a ordem constitucional", mas até ao momento alegam que preferem resolver a questão por via diplomática.

Enquanto isso, os militares propõem um período de transição de "três anos" até devolver o poder aos civis.

Burkina Faso de golpe em golpe

O Burkina Faso, desde os tempos de Thomas Sankara que vive de turbulência em turbulência.

Em 24 de Janeiro de 2022, militares anunciaram, na televisão, que haviam tomado o poder e deposto o Presidente Roch Marc Christian Kaboré.

O tenente-coronel Paul Henri Sandaogo Damiba foi empossado como Presidente pouco tempo depois, em 16 de Fevereiro.

Porém, na noite de 30 de Setembro do mesmo ano, Damiba foi deposto e o capitão Ibrahim Traoré assumiu o poder como Presidente de transição, até às eleições presidenciais programadas para Julho de 2024, que deveria permitir que os civis retornassem ao poder.

Guiné em “governo provisório” desde 2021

Na Guiné, vulgo Conacry, em 5 de Setembro de 2021, um grupo de militares liderados pelo coronel Mamady Doumbouya, então responsável pelas Forças Especiais, derrubou o governo do antigo Presidente Alpha Condé.

As instituições do país foram dissolvidas, a Constituição suspensa e as fronteiras, tanto aéreas quanto terrestres, fechadas.

Volvidos dois anos, o país continua a ser conduzido por um “governo provisório” que só tem aumentado as dificuldades aos cidadãos.

Sudão vítima da guerra pelo poder

Em 2021, precisamente a 25 de Outubro, os militares liderados pelo general Abdel Fatah al-Burhan expulsaram os líderes civis de transição, que supostamente lideravam o país para a democracia depois de 30 anos de ditadura de Omar al-Bashir, destituído em 2019.

Contudo, de lá para cá, a situação tem-se mantido e, como se não bastasse, desde 15 de Abril de 2023, eclodiu uma guerra provocada pela disputa do poder entre o general al-Burhan e o seu ex-número dois e chefe da milícia das Forças de Apoio Rápido (RSF), Mohamed Hamdan Daglo.

O conflito, além de milhares de deslocados, feridos e gente que foge do país, já causou mais de 5 mil mortos.

Mali com dois golpes em nove meses

Outro país que vai de mal a pior é o Mali. O então Presidente, Ibrahim Boubacar Keita, em 18 de Agosto de 2020, foi derrubado após vários meses de crise política.

Menos de dois meses depois, em 5 de Outubro, foi formado um governo de transição, que deveria devolver o poder aos civis em 18 meses.

Mas, em 24 de Maio de 2021, os militares prenderam o Presidente e o primeiro-ministro do novo governo de transição que não foi aprovado por eles.

Na sequência, o coronel Assimi Goïta foi empossado como Presidente de transição em Junho de 2022 e, logo depois, a França retirou as tropas enviadas para combater o jihadismo.

Em Junho de 2023, os malianos aprovaram uma nova Constituição, descrita pela oposição como uma ferramenta para manter a junta militar no poder, desconfiando que as eleições presidenciais marcadas para Fevereiro de 2024 não terão lugar ou serão viciadas.

Ditadores no poder até “cair o cabelo e perder os dentes”

Os golpes de Estado em África, como foi aqui descrito, têm acontecido maioritariamente na empobrecida região do Sahel, pelo que o golpe militar no Gabão teve repercussões em outras regiões africanas, nomeadamente na África Central, região em que contam diversos presidentes que se eternizam no poder, como são os casos a longo prazo.

São os casos de Denis Sassou Nguesso, da República do Congo, Paul Biya, Camarões, Teodoro Obiang Nguema, Guiné Equatorial, Faustin Archange Touadera, República Centro-Africana, Paul Kagame, Ruanda, além daqueles que estando no poder há um, dois mandatos, alteram ou pretendem alterar a Constituição dos seus países para forçar um terceiro mandato e continuar no poder, em violação à ordem democrática e à vontade popular.

O Gabão é membro da Comunidade Económica e Monetária da África Central (CEMAC) e também da Região dos Grandes Lagos.

A CEMAC é um bloco económico que tem alguns dos líderes há mais tempo no poder no mundo.

O Presidente Teodoro Obiang Nguema, de 81 anos, da Guiné Equatorial, venceu as eleições para um sexto mandato em 2022.

Obiang chegou ao poder através de um golpe militar em 1979 e é o chefe de Estado mais antigo do mundo, quase 45 anos.

Actualmente, qual monarquia, prepara-se para passar as pastas ao seu filho que já foi nomeado vice-presidente.

Nos Camarões, Paul Biya, de 90 anos, é Presidente há 41 anos, desde 1982. Assustado, Paul Biya procedeu, também na quarta-feira (30), a uma remodelação das chefias do exército camaronês, nomeando novos oficiais da defesa.

O nonagenário Biya já cumpriu sete mandatos consecutivos.

Na República do Congo, Denis Sassou Nguesso, de 80 anos, já foi Presidente de 1979 a 1992 e depois de 1997 até ao momento, contando assim um total de 39 anos no poder.

Paul Kagame é Presidente do Ruanda há 23 anos e poderá permanecer no poder por muito mais tempo.

Paul Kagame é um ditador que governa o Ruanda com mão firme, e não apenas desde 2000, mas na verdade desde 1994.

Após o genocídio e a vitória de Kagame na guerra civil em 1994, Pasteur Bizimungu foi colocado no posto de Presidente do Ruanda, tendo o próprio Kagame ficado com os cargos de vice-presidente e ministro da Defesa, pelo que detinha poder ilimitado no país.

O Presidente da República Centro-Africana, Faustin Archange Touadera, não está no poder há tanto tempo, mas recentemente prolongou o mandato Presidencial de cinco para sete anos e eliminou o limite de dois mandatos para Presidentes.

A oposição diz que Touadera criou uma presidência vitalícia para si mesmo.

Ismaïl Omar Guelleh é o segundo e actual Presidente do Djibouti, desde 1999.

Sucedeu ao seu tio, Hassan Gouled Aptidon. O golpe de Estado no Gabão deixou-o aflito e denunciou a tendência recente para golpes militares.

Em 2010, depois de muitas outras peripécias anteriores, Guelleh convenceu a Assembleia Nacional do Djibuti a alterar a Constituição do país, permitindo que ele se candidatasse a um terceiro mandato.

Assim foi possível recandidatar-se a uma nova reeleição em 2011. Este facto, na época, resultou em grandes protestos, semelhantes aos movimentos em outros países árabes que exigiam maior democracia, a chamada “Primavera Árabe”.

Os protestos foram rapidamente reprimidos e alguns opositores presos.

África adiada e sem amanhã

A situação no continente africano é alarmante e as estatísticas bastante sombrias em relação ao futuro dos povos africanos.

Em grande parte dos países permanece a miséria, os cidadãos nos seus respectivos países continuam a sofrer todo o tipo de crises, algumas impostas pelos próprios governantes locais, corruptos que só pensam no poder e na riqueza e nada querem saber do bem-estar dos povos, do progresso e desenvolvimento dos seus países e do continente em geral.

De acordo com especialistas, “os números sobre o estado da economia do continente-berço são sombrios”.

Veja-se que pelo menos 260 milhões dos mais de 800 milhões de habitantes de África vivem com menos de um dólar por dia, abaixo do nível de pobreza definido pelo Banco Mundial.

O mais recente relatório da ONU, World Economic Situation and Prospects Report 2023, indica que o produto interno bruto (PIB) total de África é de apenas 1% do PIB mundial e o continente participa com apenas 2% das transacções comerciais que acontecem no mundo.

África é o terceiro continente mais extenso (depois da Ásia e da América) com cerca de 30 milhões de quilómetros quadrados, cobrindo 20,3% da área total da terra firme do planeta.

É o segundo continente mais populoso da Terra (atrás da Ásia) com cerca de um bilião e meio de pessoas, representando cerca de um sétimo da população mundial, e 54 países independentes.

Para os especialistas, “sendo o continente que apresenta uma das maiores taxas de natalidade do mundo, a população africana deverá duplicar até 2050, de 1,3 bilião para 2,5 biliões de pessoas, o que representará, para os Governos, desafios hercúleos no que à melhoria das condições de vida diz respeito, na medida em que, na maior parte dos países, a oferta dos serviços fundamentais e de infra-estruturas está abaixo da taxa de crescimento populacional.

Em outras palavras, a taxa de pobreza manter-se-á ascendente”. NM


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