O Presidente João Lourenço vai
ser o primeiro Presidente da República na história recente e política de Angola
a enfrentar um processo de impeachment, isto é, de destituição do cargo que
ocupa desde Setembro de 2017. A agravar tal facto está ainda o imperativo
constitucional e legal de que a votação para o efeito deve ser feita de forma
secreta e não por aclamação (mão no ar).
Tão-logo a UNITA formalize a iniciativa
do processo de acusação e destituição de João Lourenço — acto que deverá
ocorrer nos próximos dias —, uma comissão parlamentar eventual terá de lançar
mãos a um relatório parecer que deverá, no prazo de 30 dias, submeter à
presidente da Assembleia Nacional, para que esta agende, com carácter de
urgência, uma sessão plenária extraordinária. Até aqui tudo normal.
Entretanto, João Lourenço poderá
vir a enfrentar um ‘fogo amigo’ oriundo do seu próprio partido, se das hostes
da sua base política a destituição for do interesse de pelo menos 57 deputados
em efectividade de funções no Parlamento.
Mais do que depender da UNITA, a
proponente da iniciativa (que detém apenas 90 dos 147 deputados necessários
para a aprovação do diploma), a destituição de João Lourenço depende sobretudo
dos deputados do seu próprio partido, ao qual o Bureau Político (BP) já dirigiu
uma orientação expressa, a fim de “tomar todas as providências para que o
Parlamento não venha a ser instrumentalizado” pela UNITA, para concretizar os
seus “desígnios assentes numa clara agenda subversiva, imatura e de total
irresponsabilidade política”.
A orientação do BP do MPLA não é
específica, nem tão-pouco clara, sobre que ‘medidas extraordinárias’ os
deputados do partido no poder devem seguir para travar os intentos do maior
partido na oposição, além daquelas que estão previstas na Constituição e na
lei.
Por outro lado, a Constituição e
a lei não prevêem, para este caso em concreto, uma prerrogativa do tipo
‘liminar’ que seja da competência dos grupos parlamentares ou mesmo da
presidente da Assembleia Nacional, que venha a ser accionado para impedir a
recepção ou entrada da petição no Parlamento.
A Lei n.º 13/17, de 6 de Julho,
Lei do Regimento Interno da Assembleia Nacional, consagra que as questões de
natureza nominais, como esta que tem que ver com o destino do Presidente da
República, sejam feitas através do voto secreto, sendo que a votação deverá
obedecer à ordem alfabética dos deputados em efectividade de funções.
O que resta depreender do
comunicado de imprensa, hoje tornado público, é se a orientação do BP do MPLA
irá fazer com que se atente de forma grosseira contra um princípio
constitucional e contra a lei, a tal ponto de os seus deputados inviabilizarem
a petição da UNITA de forma liminar, violando a Constituição e a lei.
Pelo sim, pelo não, a grande
questão vai continuar a ser a possibilidade de um ‘fogo amigo’, já que não se
conhece o estado das relações entre o presidente do partido — que na condição
de Presidente da República será alvo de impeachment — e os deputados à
Assembleia Nacional.
Se a sobrevivência de João
Lourenço à frente dos destinos do país não dependerá apenas da orientação dada
pelo BP, mas, acima de tudo, de uma decisão e/ou estratégia política que pode
não passar pela sua continuidade à frente da Presidência da República, esta é
uma pergunta que só os deputados do MPLA poderão dar, quando votarem o diploma.
Processo de destituição
A destituição do Presidente da
República, de acordo com o artigo 129.º da Constituição da República, é
accionado nas seguintes situações: a) Por crime de traição à Pátria e
espionagem; b) Por crimes de suborno, peculato e corrupção; c) Por incapacidade
física e mental definitiva para continuar a exercer o cargo; d) Por ser titular
de alguma nacionalidade adquirida; e e) Por crimes hediondos e violentos tal
como definidos na presente Constituição.
O Presidente da República pode
ser ainda destituído por crime de violação da Constituição que atente
gravemente contra: a) O Estado democrático e de direito; b) A segurança do
Estado; c) O regular funcionamento das instituições.
A UNITA ainda não apresentou os
argumentos jurídico-legais que a levam a tomar a iniciativa de acusar e de d estituir
o Presidente João Lourenço. Tudo que se sabe é da sua intenção e do argumento
político.
A Constituição também consagra
que os processos de destituição do Presidente da República deve ser devidamente
fundamentada, sendo que a proposta de iniciativa deve ser apresentada por 1/3
(um terço) dos deputados em efectividade de funções.
A deliberação (relatório
parecer), por sua vez, deve ser aprovada por maioria de 2/3 (dois terços) dos
deputados em efectividade de funções, devendo, após isso, ser enviada a
respectiva comunicação ou petição de procedimento ao Tribunal Supremo ou ao
Tribunal Constitucional, conforme o caso (criminal ou constitucional).
“Estes processos têm prioridade
absoluta sobre todos os demais e devem ser conhecidos e decididos no prazo
máximo de 120 dias contados da recepção da devida petição”, determina a
Constituição da República de Angola. angola24hora